sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Expressão de decepção em cursos de formação para atuar na EAD e ensaios de uma indignação.

Pelo poder da palavra ela pode agora navegar nas nuvens, visitar

as estrelas, entrar, no corpo de animais, fluir com a seiva das

plantas, investigar a imaginação da matéria, mergulhar no fundo

de rios e de mares, andar por mundos que há muito deixaram de

existir, assentar-se dentro de pirâmides e de catedrais góticas,

ouvir corais gregorianos, ver os homens trabalhando e amando,

ler as canções que escreveram, aprender das loucuras do poder,

passear pelos espaços de literatura, da arte, da filosofia, dos

números, lugares onde seu corpo nunca poderia ir sozinho...

Corpo espelho do universo! Tudo cabe dentro dele!

Rubem Alves

Poderia iniciar essa fala, com vários argumentos emotivos a respeito da EaD, visto que, o percurso histórico dessa modalidade não advém de quinze ou vinte dias atrás, quando iniciamos um curso de formação, contudo, participo de discussões e vivencio a modalidade, desde 2006, quando ainda era acadêmica do curso de Pedagogia na Universidade Federal de Goiás, e bolsista de um curso de formação pedagógica em EaD. De minha formatura aos atuais dias, tenho marcas da EaD desenhadas em toda minha trajetória profissional e, inclusive em minha prática docente. MATURANA (1998) sustenta que por trás de todo o comportamento do ser humano estaria um emocionar. Porém, procuro nesse momento, aliar essa emoção que promove a construção desse texto, um embasamento teórico-prático de ações dentro de um curso a distância.



Cada experiência é única. Ainda que leiamos o mesmo texto, por “n” vezes, a cada leitura, será uma nova descoberta, uma nova reação, uma nova possibilidade, ou o encontro de algo que acreditávamos ser e agora, percebemos que não o era. Kriegl (2002) nos aponta, que ainda que o conteúdo de um texto permaneça invariável, é possível que dois leitores com finalidades diferentes extraiam informação distinta do mesmo.



E é dessa nova experiência (que já não é nova) que vos falo. Atualmente, faço o curso de formação de tutores à distância, e me dispus, desde o início do curso, mesmo já possuindo certa experiência com cursos à distância (inclusive dentro da própria instituição), a assumir o papel de “aluna” e contribuir com as discussões propostas. GUIMARÃES, OLIVEIRA e SANTOS (2009), sintetizam em seu artigo “Trânsitos entre realidades e tecnologias na construção de saberes”, essa sensação

É como se realmente estivéssemos em uma embarcação... viajando pelos limites e possibilidades. Em alguns momentos sentindo que vai tudo naufragar, momentos depois, ancorando em terra firme e segura. Mas como bo@s caçador@s de aventura, persistindo na viagem... e assim, encontrando pessoas que falam línguas parecidas e línguas diferentes, tentando estabelecer relações entre conteúdos, tecnologias, instituições e entre pessoas, no virtual e acima de tudo... no humano.


Articular conhecimentos e saberes através dessa modalidade é acima de tudo pensar que não somos meras máquinas! Somos seres humanos, que em busca de algo, se entremeia em aventuras, e posiciona-se às vezes em zonas de conforto e às vezes em zonas de riscos.

Essas zonas nos exigem muito mais que uma simples ação ou postura, nos exige determinação e posicionamento. Podemos, ainda que no ensino a distância, nos tornarmos meros executores (percorrendo trilhas que já foram determinadas) e oferecer os mesmos riscos àqueles que nos seguem, ou podemos, perceber que naquela trilha há perigos ou novos desafios que podem nos atrasar ou provocar algum dano.

Pode até parecer estranho essa fala, mas, cada vez que percebo que, tanto na modalidade presencial quanto na modalidade a distância, ainda encontramos pessoas que, não possuem sensibilidade educadora (digo esse termo “sensibilidade educadora” no sentido de um novo olhar, uma nova postura diante de situações que nos são postas diariamente), ainda me dou o direito de revoltar com tais ações inflexíveis, incoerentes à uma prática pedagógica crítica, que está tão presente nos discursos atuais e tão distante de nossas práticas.

Trago à luz, um fato, que de ante mão, adianto que não acontece somente na modalidade a distância, mas, também na presencial. Em uma proposta de atividade, elabora-se a seguinte questão:

Elabore um texto destacando: 1) sua história com a EaD, experiência e representação antes desse curso; 2) alguns aspectos históricos da EaD que considere relevante e necessário ser compreendido.
Redija seu texto, em no máximo 2 laudas em um editor de sua escolha, e envie no ícone abaixo seguindo as orientações abaixo:


Ora, o solicitado na atividade é: que você faça seu percurso histórico e construa esse texto, destacando aspectos históricos da EaD que você considere relevante a ser compreendido. Até aqui, penso que seja claro para todos os leitores a solicitação. Não há na proposta de atividade a solicitação que esse texto deva possuir embasamento teórico ou que seu texto deva contemplar argumentação teórica. Ao contrário: o primeiro ponto solicita sua história e representação antes desse curso e o segundo, aspectos que você considere relevante e necessário ser compreendido.

Voltando a KRIEGL (2002), certamente você irá encontrar além dela, outros autores que discutem a leitura e o tipo de leitura que cada um pode fazer da proposta solicitada. A partir de então, constroem-se textos, fazem-se as leituras e... para “espanto” do escritor do texto, a sua avaliação contempla 80% daquilo que foi solicitado com a seguinte afirmação:

você pontuou muito bem a sua trajetória na EAD. Certamente muito mais ainda será percorrido por você, no entanto senti falta de maior presença sobre a contribuição teórica dos autores na discussão sobre a EAD.


Pontuar um percurso histórico que está permeado de ações e relações com a própria história da EaD, seja, no global ou no local – no caso, nessa instituição, - significa não dialogar com os autores apontados? Quer dizer então, que você não fazer citações em seu texto significa que você não compreendeu ou não pode ter uma leitura pessoal sobre determinado assunto? Ou ainda, você só integraliza sua atividade se você fizer essa pontuação à clara vistas?

E, talvez, ainda mais sofrível que ter uma avaliação parcial, é tentar dialogar com o avaliador, perguntando a razão de ter contemplado apenas 80% do solicitado e receber a resposta:

retome a leitura da proposta da atividade 1, bem como dos critérios de avaliação. Observe que o que diz o terceiro item.Acredito que ao retomar essa leitura você retificará a sua opinião, ou seja, minha justificativa para a sua nota não foi "evasiva", como você pontuou.


É como dizer ao expectador da resposta: você não leu o que foi solicitado. Pergunto: seria possível alguém fazer um texto que contemple 80% do solicitado sem ter lido a proposta?

Se retornarmos à proposta da atividade, veremos que: não existe a solicitação de um terceiro item. Então, novamente, na tentativa de um diálogo com o avaliador, questionando qual seria esse terceiro a item, vem a resposta:

terceiro item, nos critérios de avaliação. Entendeu???
Utilização da bibliografia.
Abraços
Errata: segundo item: "Diálogo com a bibliografia indicada"


O processo de entropia que acabamos vivenciando nesses momentos é perceptível. Contudo, é preciso lembrar que, em um espaço virtual, a pessoa que está recebendo uma mensagem de uma pergunta, lê conforme o sentimento da recepção de uma mensagem: esse “entendeu???” com três pontos de exclamação, pode até mesmo conotar... será que é tão difícil você entender isso que é tão simples? E daí... o início de um processo de entropia está implantado. Até que, as partes envolvidas, consigam entrar em um diálogo e compreender o que realmente quis ser dito, “muita água já passou por debaixo dessa ponte”.

Em um processo de persistência e insistência, uma nova tentativa um pedido para que o avaliador indicasse o momento em que não houve o diálogo com o material utilizado, com a questão:

em qual momento não dialoguei com o material utilizado, ou você realmente acredita que construí um texto ou uma experiência sem utilizar do material?
Isso é critério de avaliação e não item solicitado. E como critério de avaliação precisa ser visto como tal, e solicitado na atividade. O enunciado não foi claro, e o solicitado na atividade foi o que fiz. Critério de avaliação é uma coisa, solicitação na atividade é outra.


A questão tocante não é se no texto há citações ou não. A questão é que, os critérios de avaliação são critérios de avaliação e não enunciados da questão. Não se pode esperar do aluno que ele entenda os critérios de avaliação como sendo o enunciado, ou como a proposta da atividade.

Talvez, ainda mais instigante seja pensar a postura de uma resposta após uma nova contestação e um novo argumento: até que ponto o critério de avaliação deve ser considerado um enunciado? E como ele entra nesse processo? Meu aluno passa então a ser avaliado por uma questão que não perguntei? Mas, que estabeleci como critério de avaliação? Até onde vai o enunciado e até onde vai o critério de avaliação? Avalio o que não foi questionado? Ou não tenho um olhar educador sensível para uma leitura de texto?

E, em falta de uma resposta plausível e de um contra argumento, a única resposta apresentada, como se fosse uma finalização da conversa


acredito que você já pontuou seu ponto de vista, assim como eu solicitei que você verificasse novamente o que atividade solicitava, juntamnente com os critérios que seriam levados em conta ao avaliar. Tais informações estão disponibilizadas aos cursistas desde o início do curso.

Um abraço e bom estudo

Acredito que ainda que, realmente haja um equívoco de interpretação por parte do aluno, uma resposta como essa, gera além da entropia, o vislumbrar de posturas acirradamente tradicionais, onde (ao contrário do que acreditamos e vivenciamos em EaD), o professor “dono de todos os saberes e conhecimentos” diz ao aluno: você disse o que queria e eu mandei você rever, você não quis, problema é seu, prossiga seu caminho. Numa postura totalmente inflexível e sem argumentos, demonstrando justamente o que desde os primórdios por uma “outra educação” se luta contra – o desconsiderar dos saberes do educando, colocando-o em uma postura de tabula rasa e sem conhecimentos prévios e o professor como detentor único do saber.

Até quando teremos essas ações nos nossos processos de educação? Processos de entropia sempre vão existir, mas, até que ponto educador e educando podem se debater nessas questões? Até quando haverá essa ingenuidade de se pensar que um sabe mais do que o outro? Ou até quando seremos inflexíveis e não perceberemos que erros acontecem (de ambas as partes)?

Em um processo de democratização do ensino, acredito, com toda sinceridade, que ainda precisamos rever e repensar nossos conceitos e nossas posturas. Do contrário, nesses processos de formação, sempre teremos modelos daquilo que não devemos fazer com o outro porque não gostamos do que fizeram conosco. Repensar a prática e a postura pedagógica não é apenas um ato acadêmico é um exercício diário.

Chega mais perto e contempla as palavras,

cada uma tem mil faces secretas sob a face neutra

e pergunta, sem interesse pela resposta,

pobre ou terrível que lhe deres: trouxeste a chave?

Carlos Drummond de Andrade





PRETI, Oreste. Educação à distância: ressignificando práticas. Brasília: Líber Livro, 2005.

CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra, 1999. (A era da informação: economia, sociedade e cultura; v.1).

DANIEL, John. A Educação em um Novo Mundo Pós-Moderno. XVI Congresso Mundial de Educação Católica. Brasília, abril de 2002.

GUIMARÃES, Lêda; OLIVEIRA, Michelle Ferreira de e SANTOS, Noeli. Trânsitos entre realidades e tecnologias na construção de saberes. In: XVIII Simpósio de Estudos e Pesquisas da Faculdade de Educação. UFG, Goiânia, 2009.

Kriegl, Maria de Lurdes de Souza. Leitura – um desafio sempre atual. Rev. PEC, Curitiba, v.2, n.1, p.1-12, jul. 2001-jul. 2002.

MATURANA, H. R. Da biologia à psicologia. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.

OLIVEIRA, Marilda Oliveira de e HERNANDEZ, Fernando. (orgs.). –. A Formação do Professor e o Ensino das Artes Visuais. Oliveira, Marilda Oliveira de Santa Maria, Ed. UFSM, 2005.

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